Estudo comprova que criança que lê mais escreve melhor
Folha Online - 11/01/2010 - Está comprovado que as crianças que lêem e escrevem mais são melhores na leitura e na escrita. E escrevendo posts de blogs, atualizações de status, mensagens de texto, mensagens instantâneas, e todas as coisas semelhantes, motivam crianças a ler e escrever.
No mês passado, o "The Nacional Literancy Trust", Fundo Nacional de Alfabetização do Reino Unido, divulgou o resultado de uma pesquisa com 3 mil crianças. Eles observaram a correlação entre o engajamento das crianças com as mídias sociais e seu conhecimento da leitura e da escrita.
No resultado eles perceberam que as mídias sociais têm ajudado as crianças a se tornarem mais literatas. Além disso, a Eurostat, organização estatística da Comissão Europeia, recentemente publicou uma matéria mostrando a correlação entre educação e atividade online, que indicou que a atividade online aumentou com o nível de atividade formal (os fatores sócio-economicos estão, é claro, influenciando potencialmente).
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sexta-feira, 18 de junho de 2010
O que é letramento e alfabetização Neste texto, vamos discutir conceitos e, portanto, palavras, ou, se quiserem, vamos discutir palavras e, portanto, conceitos: os conceitos alfabetização e letramento, as palavras alfabetização e letramento.
Em um primeiro momento, gostaria de fazer um "passeio" pelo campo semântico em que se inserem essas palavras, esses conceitos. São palavras de uso comum, conhecidas, exceto talvez letramento, palavra ainda desconhecida ou mal entendida, ou ainda não plenamente compreendida pela maioria das pessoas, porque é palavra que entrou na nossa língua há muito pouco tempo.
ALFABETIZAÇÃO
ALFABETIZAR ALFABETIZADO
ANALFABETISMO ANALFABETO
LETRAMENTO
LETRADO ILETRADO
ALFABETISMO
Não precisamos definir essas palavras, porque estamos familiarizados com elas, talvez com exceção apenas da palavra letramento. Mas vou me deter nelas para conduzir nossa reflexão em direção ao sentido de letramento.
Vejamos as definições que aparecem no dicionário Aurélio:
analfabetismo: estado ou condição de analfabeto
a(n) + alfabet + ismo
-izar:
sufixo,
indica: tornar, fazer com que.
Exemplos:
suavizar: tornar suave;
industrializar: tornar industrial
Alfabetizar é tornar o indivíduo capaz de ler e escrever.
Alfabetização: ação de alfabetizar
Alfabet + iza(r) + ção
-ção:
sufixo que forma substantivos
indica: ação
Exemplos:
traição: ação de trair
nomeação: ação de nomear
Alfabetização é a ação de alfabetizar, de tornar "alfabeto".
Causa estranheza o uso desa palavra "alfabeto", na expressão "tornar alfabeto". É que dispomos da palavra analfabeto, mas não temos o contrário dela: temos a palavra negativa, mas não temos a palavra positiva.
É no campo semântico dessas palavras que conhecemos bem - analfabetismo, analfabeto, alfabetização, alfabetizar - que surge a palavra letramento. Como surgiu essa palavra e o que quer ela dizer?
LETRAMENTO?
Conhecemos as palavras letrado e iletrado:
Letrado: versado em letras, erudito
iletrado: que não tem conhecimentos literários
uma pessoa letrada = uma pessoa erudita, versada em letras (letras significando literatura, línguas)
uma pessoa iletrada = uma pessoa que não tem conhecimentos literários, que não é erudita; analfabeta, ou quase analfabeta.
O sentido que temos atribuído aos adjetivos letrado e iletrado não está relacionado com o sentido da palavra letramento.
A palavra letramento ainda não está dicionarizada, porque foi introduzida muito recentemente na língua portuguesa, tanto que quase podemos datar com precisão sua entrada na nossa língua, identificar quando e onde essa palavra foi usada pela primeira vez.
Parece que a palavra letramento apareceu pela primeira vez no livro de Mary Kato: No mundo da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de 1986.
A palavra letramento não é, como se vê, definida pela autora e, depois dessa referência, é usada várias vezes no livro; foi, provavelmente, essa a primeira vez que a palavra letramento apareceu na língua portuguesa - 1986.
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Depois da referência de Mary Kato, em 1986, a palavra letramento aparece em 1988, no livro que, pode-se dizer, lançou a palavra no mundo da educação, dedica páginas à definição de letramento e busca distinguir letramento de alfabetização: é o livro Adultos não alfabetizados - o avesso do avesso, de Leda Verdiani Tfouni (São Paulo, Pontes, 1988, Coleção Linguagem/Perspectivas) um estudo sobre o modo de falar e de pensar de adultos analfabetos.
Mais recentemente, a palavra tornou-se bastante corrente, aparecendo até mesmo em título de livros, por exemplo: Os significados do letramento, coletânea de textos organizada por Ângela Kleiman, (Campinas, Mercado das Letras, 1995) e Alfabetização e letramento, da mesma Leda Verdiani Tfouni, anteriormente mencionada (São Paulo, Cortez, 1995, Coleção Questões de nossa época).
Na busca de esclarecer o que seja letramento, talvez seja interessante refletirmos sobre o seguinte: vivemos séculos sem precisar da palavra letramento; a partir dos anos 80, começamos a precisar dessa palavra, inventamos essa palavra - por quê, para quê?
Por que aparecem palavras novas na língua?
Resposta:
Na língua sempre aparecem palavras novas quando fenômenos novos ocorrem, quando uma nova idéia, um novo fato, um novo objeto surgem, são inventados, e então é necessário ter um nome para aquilo, porque o ser humano não sabe viver sem nomear as coisas: enquanto nós não as nomeamos, as coisas parecem não existir.
Um exemplo:
hoje em dia se usa com muita freqüência a palavra globalização, abrimos o jornal e lá está a palavra globalização; poucos anos atrás, ninguém usava essa palavra, não no sentido com que a estamos usando atualmente. Por que surgiu a palavra globalização( Porque surgiu um fenômeno novo na economia mundial, e foi preciso dar um nome a esse fenômeno novo -surge assim a palavra nova.
Outros exemplos
Portanto: o termo letramento surgiu porque apareceu um fato novo para o qual precisávamos de um nome, um fenômeno que não existia antes, ou, se existia, não nos dávamos conta dele e, como não nos dávamos conta dele, não tínhamos um nome para ele.
Três perguntas precisam agora ser respondidas:
Qual é o significado dessa palavra letramento?
Por que surgiu essa nova palavra, letramento?
Onde fomos buscar essa nova palavra, letramento?
Comecemos por responder à última pergunta.
Onde fomos buscar a palavra letramento?
Na verdade, a palavra letramento é uma tradução para o Português da palavra inglesa literacy; os dicionários definem assim essa palavra:
literacy = the condition of being literate
littera + cy
palavra latina = letra
-cy: sufixo, indica qualidade, condição, estado. Exemplo: innocency: condição de inocente.
Traduzindo a definição acima, literacy é "a condição de ser letrado" - dando à palavra letrado" sentido diferente daquele que vem tendo em português. Em inglês, o sentido de literate é:
literate: educated; especially able to read and write (educado; especificamente, que tem a habilidade de ler e escrever)
Literate é, pois, o adjetivo que caracteriza a pessoa que domina a leitura e a escrita, e literacy designa o estado ou condição daquele que é literate, daquele que não só sabe ler e escrever, mas também faz uso competente e freqüente da leitura e da escrita.
Há, assim, uma diferença entre saber ler e escrever, ser alfabetizado, e viver na condição ou estado de quem sabe ler e escrever, ser letrado (atribuindo a essa palavra o sentido que tem literate em inglês). Ou seja: a pessoa que aprende a ler e a escrever - que se torna alfabetizada - e que passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais de leitura e de escrita - que se torna letrada - é diferente de uma pessoa que ou não sabe ler e escrever - é analfabeta - ou, sabendo ler e escrever, não faz uso da leitura e da escrita - é alfabetizada, mas não é letrada, não vive no estado ou condição de quem sabe ler e escrever e pratica a leitura e a escrita.
O adjetivo letrado, e seu feminino letrada serão usados no restante deste texto com um significado que não é o que têm (por enquanto) nos dicionários: serão usados para caracterizar a pessoa que, além de saber ler e escrever, faz uso freqüente e competente da leitura e da escrita. Serão usados também os adjetivos iletrado/iletrada como seus antônimos.
Estado ou condição: essas palavras são importantes para que se compreendam as diferenças entre analfabeto, alfabetizado e letrado; o pressuposto é que quem aprende a ler e a escrever e passa a usar a leitura e a escrita, a envolver-se em práticas de leitura e de escrita, torna-se uma pessoa diferente, adquire um outro estado, uma outra condição.
Socialmente e culturalmente, a pessoa letrada já não é a mesma que era quando analfabeta ou iletrada, ela passa a ter uma outra condição social e cultural - não se trata propriamente de mudar de nível ou de classe social, cultural, mas de mudar seu lugar social, seu modo de viver na sociedade, sua inserção na cultura - sua relação com os outros, com o contexto, com os bens culturais torna-se diferente.
Há a hipótese de que tornar-se letrado é também tornar-se cognitivamente diferente: a pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de uma pessoa analfabeta ou iletrada.
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Tornar-se letrado traz, também, conseqüências lingüísticas: alguns estudos têm mostrado que o letrado fala de forma diferente do iletrado e do analfabeto; por exemplo: pesquisas que caracterizaram a língua oral de adultos antes de serem alfabetizados, e a compararam com a língua oral que usavam depois de alfabetizados, concluíram que, após aprender a ler e a escrever, esses adultos passaram a falar de forma diferente, evidenciando que o convívio com a língua escrita teve como conseqüências mudanças no uso da língua oral, nas estruturas lingüísticas e no vocabulário.
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Enfim: a hipótese é que aprender a ler e a escrever e, além disso, fazer uso da leitura e da escrita transformam o indivíduo, levam o indivíduo a um outro estado ou condição sob vários aspectos: social, cultural, cognitivo, lingüístico, entre outros.
Tentamos responder, até aqui, a uma das três perguntas anterior. Busquemos, agora, a resposta à primeira pergunta.
Finalmente, uma definição de letramento
Chegamos finalmente à palavra e ao conceito letramento:
letra + mento
forma portuguesa da palavra latina littera
-mento: sufixo, indica resultado de uma ação. Exemplo: ferimento = resultado da ação de ferir.
Portanto: letramento é o resultado da ação de "letrar-se", se dermos ao verbo "letrar-se" o sentido de "tornar-se letrado".
LETRAMENTO
Resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita
O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo
como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais
Observação importante: ter-se apropriado da escrita é diferente de ter aprendido a ler e a escrever: aprender a ler e escrever significa adquirir uma tecnologia, a de codificar em língua escrita e de decodificar a língua escrita; apropriar-se da escrita é tornar a escrita "própria", ou seja, é assumi-la como sua "propriedade" .
Outros exemplos
Retomemos a grande diferença entre alfabetização e letramento, entre alfabetizado e letrado: um indivíduo alfabetizado não é necessariamente um indivíduo letrado; alfabetizado é aquele indivíduo que sabe ler e escrever; já o indivíduo letrado, o indivíduo que vive em estado de letramento, é não só aquele que sabe ler e escrever, mas aquele que usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.
Letramento definido num poema
Uma estudante norte-americana, de origem asiática, Kate M. Chong, ao escrever sua história pessoal de letramento, define-o em um poema:
O QUE É LETRAMENTO?
Letramento não é um gancho
em que se pendura cada som enunciado,
não é treinamento repetitivo
de uma habilidade,
nem um martelo
quebrando blocos de gramática.
Letramento é diversão
é leitura à luz de vela
ou lá fora, à luz do sol.
São notícias sobre o presidente
O tempo, os artistas da TV
e mesmo Mônica e Cebolinha
nos jornais de domingo.
É uma receita de biscoito,
uma lista de compras, recados colados na geladeira,
um bilhete de amor,
telegramas de parabéns e cartas
de velhos amigos.
É viajar para países desconhecidos,
sem deixar sua cama,
é rir e chorar
com personagens, heróis e grandes amigos.
É um atlas do mundo,
sinais de trânsito, caças ao tesouro,
manuais, instruções, guias,
e orientações em bulas de remédios,
para que você não fique perdido.
Letramento é, sobretudo,
um mapa do coração do homem,
um mapa de quem você é,
e de tudo que você pode ser.
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O poema mostra que letramento é muito mais que alfabetização. Ele expressa muito bem como o letramento é um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita.
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Por que surgiu a palavra letramento?
A palavra analfabetismo nos é familiar, usamos essa palavra há séculos, ela já está presente em textos do tempo em que éramos Colônia de Portugal. É um fenômeno interessante: usamos, há séculos, o substantivo que nega (recorde a análise da palavra analfabetismo na página 2: a(n) + alfabetismo = privação de alfabetismo), e não sentíamos necessidade do substantivo que afirmasse: alfabetismo ou letramento. Por que só agora, no fim do século XX, a palavra letramento se tornou necessária?
Palavras novas aparecem quando novas idéias ou novos fenômenos surgem. Convivemos com o fato de existirem pessoas que não sabem ler e escrever, pessoas analfabetas, desde o Brasil Colônia, e ao longo dos séculos temos enfrentado o problema de alfabetizar, de ensinar as pessoas a ler e escrever; portanto: o fenômeno do estado ou condição de analfabeto nós o tínhamos (e ainda temos...), e por isso sempre tivemos um nome para ele: analfabetismo.
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente, a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler e a escrever. As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não ncessariamente incorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais de escrita: não lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma declaração, não sabem preencher um formulário, sentem dificuldade para escrever um simples telegrama, uma carta, não conseguem encontrar informações num catálogo telefônico, num contrato de trabalho, numa conta de luz, numa bula de remédio... Esse novo fenômeno só ganha visibilidade depois que é minimamente resolvido o problema do analfabetismo e que o desenvolvimento social, cultural, econômico e político traz novas, intensas e variadas práticas de leitura e e de escrita, fazendo emergirem novas necessidades, além de novas alternativas de lazer. Aflorando o novo fenômeno, foi preciso dar um nome a ele: quando uma nova palavra surge na língua, é que um novo fenômeno surgiu e teve de ser nomeado. Por isso, e para nomear esse novo fenômeno, surgiu a palavra letramento.
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Compreendido o que é letramento, por que surgiu a palavra letramento, qual a origem da palavra letramento, pode-se voltar à diferença entre letramento e alfabetização:
Alfabetização = ação de ensinar/aprender a ler e a escrever
Letramento = estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita
cultiva = dedica-se a atividades de leitura e escrita
exerce = responde às demandas sociais de leitura e escrita
Precisaríamos de um verbo "letrar" para nomear a ação de levar os indivíduos ao letramento... Assim, teríamos alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e a escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.
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Alfabetizado e/ou letrado - uma nova pergunta se impõe.
Como diferenciar o apenas alfabetizado do letrado?
Eacute; difícil a resposta a essa pergunta, porque letramento envolve dois fenômenos bastante diferentes, a leitura e a escrita, cada um deles muito complexo, pois constituído de uma multiplicidade de habilidades, comportamentos, conhecimentos:
Ler
É um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente decodificar sílabas ou palavras até ler Grande Sertão Veredas de Guimarães Rosa... uma pessoa pode ser capaz de ler um bilhete, ou uma história em quadrinhos, e não ser capaz de ler um romance, um editorial de jornal... Assim: ler é um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à leitura? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à leitura?
Escrever
É também um conjunto de habilidades e comportamentos que se estendem desde simplesmente escrever o próprio nome até escrever uma tese de doutorado... uma pessoa pode ser capaz de escrever um bilhete, uma carta, mas não ser capaz de escrever uma argumentação defendendo um ponto de vista, escrever um ensaio sobre determinado assunto... Assim: escrever é também um conjunto de habilidades, comportamentos, conhecimentos que compõem um longo e complexo continuum: em que ponto desse continuum uma pessoa deve estar, para ser considerada alfabetizada, no que se refere à escrita? A partir de que ponto desse continuum uma pessoa pode ser considerada letrada, no que se refere à escrita?
Conclui-se que há diferentes tipos e níveis de letramento, dependendo das necessidades, das demandas do indivíduo e de seu meio, do contexto social e cultural.
Leia mais
analfabeto e alfabetizado, alfabetizado e letrado:
conceitos imprecisos
Eleições de 1996. O jornal Folha de S.Paulo em 19 de julho de 1996 publica a seguinte notícia:
Candidaturas são impugnadas após teste de alfabetização
O juiz eleitoral de Itapetininga, Jairo Sampaio Incane Filho, 38, impugnou 20 dos 80 candidatos a prefeito e vereador das cidades de Itapetininga, Sarapuí e Alambari, na região de Sorocaba (87 km a oeste de São Paulo).
A impugnação foi motivada pelo fato de os candidatos terem sido reprovados em um teste de alfabetização realizado pelo juiz, no Fórum de Itapetininga.
Incane Filho disse que fez o texto com base na exigência contida na Lei Complementar nº 64/90, de 1992, do TRE (Tribunal Regional Eleitoral), que proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos.
O juiz afirmou que convocou os 80 candidatos que disseram ter o 1º grau completo e nistraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas.
Os testes com os candidatos foram feitos individualmente. Seus nomes são mantidos em sigilo. "Pedi a todos que lessem e interpretassem um texto de um jornal infantil. Em seguida, pedi que cada um redigisse um texto expondo sua lógica", disse.
Segundo incane Filho, erros gramaticais não foram levados em conta. "Apenas observei se o candidato tem condições de entender um texto, pois uma vez eleito, ele vai ter de trabalhar com leis e documentos."
A assessoria de imprensa do TRE informou que o tribunal transmitiu uma recomendação aos juízes para que "em caso de dúvida", façam "um teste de alfabetização" nos candidatos.
Baseado numa lei que "proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos", o juiz submeteu candidatos a prefeito e a vereador a "um teste de alfabetização".
Que razões levaram o juiz a supor que 80 candidatos eram analfabetos?
Duas razões:
1ª) tinham 1° grau incompleto
2ª) mostraram dificuldades no preenchimento dos documentos para o registro de suas candidaturas
Portanto: para o juiz, um alfabetizado seria alguém que tivesse o 1° grau completo e preenchesse formulários sem dificuldades.
No entanto, o juiz admitiu que, embora não tendo o 1° grau completo e revelando dificuldades para preencher documentos de registro de candidatura, o candidato a prefeito ou vereador poderia ser considerado alfabetizado:
Segundo o juiz, que comportamentos o candidato deveria demonstrar, para não ser considerado analfabeto?
O candidato deveria:
* Ler e interpretar um texto;
* Redigir um texto sobre o texto lido.
O juiz definiu ainda o nível do texto que o candidato deveria ser capaz de interpretar e o critério de correção das respostas do candidato:
Segundo o juiz, o candidato deveria ser capaz de ler e interpretar que tipo de texto?
texto de um jornal infantil
Segundo o juiz, com que critérios os resultados do candidato deveriam ser avaliados?
* não levar em conta erros gramaticais
* verificar se o candidato tinha entendido o texto
O juiz admitiu, pois, que um candidato a prefeito ou a vereador poderia não ter o 1° grau completo, poderia enfrentar dificuldades para preencher documentos, mas deveria ser capaz de ler e interpretar um texto de jornal infantil, e de redigir um texto sobre o que lera, mesmo cometendo erros gramaticais; e justificou esses critérios:
Por que o juiz considerou que ser capaz de entender um texto era o critério adequado para avaliar se o candidato a prefeito ou vereador poderia ser considerado alfabetizado?
Porque, se eleito, ele teria de trabalhar com leis e documentos (que deveria saber ler e interpretar).
O juiz mostrou ter dois conceitos de alfabetização:
um conceito genérico, aplicável a qualquer pessoa - ter o 1° grau completo e ser capaz de preencher documentos, sem dificuldades;
um conceito específico, aplicável a pessoas que exercem a função de prefeito ou vereador - ser capaz de ler e interpretar textos legais e documentos oficiais.
Talvez você queira refletir um pouco mais sobre esse episódio:
* A alfabetização que o juiz considera necessária a prefeitos e vereadores estará sendo avaliada num teste que mede a capacidade de ler e interpretar um texto de jornal infantil ?
* Fica claro que, para o juiz, as práticas sociais que envolvem a língua escrita necessárias a prefeitos e vereadores são as de leitura de textos legais e documentos oficiais - é esta uma concepção adequada?
* Será que se pode concordar que o nível de alfabetização de um indivíduo deve ser definido pelas exigências das práticas sociais específicas que ele precisa ter com a escrita, segundo sua inserção no mundo do trabalho?
* Pense: o juiz procura avaliar o nível de alfabetização ou o nível de letramento dos candidatos?
Mas continuemos, porque o episódio não termina aí. Cerca de vinte dias depois, em 7 de agosto, o mesmo jornal Folha de S.Paulo publica a seguinte notícia:
TRE aprova candidatura de reprovados em teste
O plenário do Tribunal Regional Eleitoral aprovou ontem a candidatura de 30 políticos que foram reprovados em um teste de alfabetização aplicado pelo juiz eleitoral de Itapetininga, Jairo Sampaio Incane Filho, 38.
O juiz havia impugnado as candidaturas de políticos das cidades de Itapetininga, Sarapuí e Alambari, todas na região de Sorocaba (87 km a oeste de São Paulo). Eles tiveram de ler o texto de um suplemento infantil de um jornal e escrever algo sobre o que leram.
Incane Filho convocou para esse teste 80 candidatos que afirmaram não ter o primeiro grau completo. Os testes se basearam na lei complementar nº 64/90, de 1992, que proíbe analfabetos de serem candidatos a cargos eletivos.
O TRE reformou a sentença do juiz, considerando que os candidatos tinham "rudimentos" da alfabetização e que, portanto, não poderiam ser considerados analfabetos. para chegar a essa conclusão, os juízes utilizaram a definição do dicionário Aurélio para a palavra "analfabeto.
O TRE deverá julgar hoje outros onze recursos apresentados pelos candidatos impugnados daquelas cidades. A plicação de testes de alfabetização é uma orientação do próprio TRE a todos os juízes eleitorais do Estado.
Entre os candidatos impugnados pelo juiz Incane Fillho, havia um ex-prefito e seis vereadores. José Luiz Holtz (PSDB), ex-prefeito de Sarapuí, considerou a decisão do juiz de Itapetininga "um absurdo". Seu candidato a vice também foi impugnado.
Segundo o juiz Incane Filho, o teste que aplicou não levou em consideração os erros gramaticais, mas apenas a capacidade dos candidatos de entender um texto.
"Depois de eleitos, eles terão de trabalhar com leis e documentos", afirmou o juiz.
O Tribunal Regional Eleitoral - TRE - foi contrário ao conceito de alfabetização do juiz, considerando que os candidatos reprovados não eram analfabetos porque tinham "rudimentos da alfabetização":
Qual o critério do TRE para considerar que os candidatos não eram analfabetos?
A definição do dicionário Aurélio para a palavra "analfabeto".
Recorde a definição de analfabeto do dicionário Aurélio:
analfabeto: que não conhece o alfabeto; que não sabe ler e escrever
Portanto: o TRE considerou que os candidatos sabiam ler e escrever (já que tinham alguma ou algumas séries do 1° grau e, embora com dificuldades, enfrentaram os documentos de registro da candidatura), e assim, não eram analfabetos.
O juiz eleitoral e o TRE mostraram ter conceitos diferentes de alfabetização: o juiz eleitoral avaliava antes o letramento que a alfabetização dos candidatos - embora desconhecesse o conceito de letramento, preocupava-se com as práticas sociais de leitura e escrita que eles deveriam ter; o TRE avaliou apenas a alfabetização dos candidatos, porque se satisfez com os "rudimentos" de leitura e escrita que tinham, desconhecendo seu nível de letramento, pois não considerou suas habilidades de usar a leitura e a escrita.
Esse episódio evidencia:
* a imprecisão do conceito de alfabetização - pessoas ou grupos têm conceitos diferentes, o conceito varia de acordo com a situação, com o contexto;
* o fenômeno do letramento ainda é pouco percebido em nossa sociedade.
Analfabeto-alfabetizado, letrado-iletrado:
variações segundo as condições sociais e históricas
Um bom exemplo da variação do conceito de alfabetização ao longo do tempo e da dependência entre o fenômeno do letramento e as condições culturais e sociais é a comparação entre os critérios que foram no passado utilizados e os que hoje são utilizados para definir quem é analfabeto ou quem é alfabetizado nos recenseamentos da população brasileira.
Até a década de 40, o formulário do Censo definia o indivíduo como analfabeto ou alfabetizado perguntando-lhe se sabia assinar o nome: as condições culturais, sociais e políticas do país, até então, não exigiam muito mais que isso de grande parte da população. As pessoas aprendiam a desenhar o nome, apenas para poder votar ou assinar um contrato de trabalho.
A partir dos anos 40, o formulário do Censo passou a usar uma outra pergunta: sabe ler e escrever um bilhete simples( Apesar da impropriedade da pergunta [se quiser saber por quê, leia o quadro abaixo], ela já expressa um critério para definir quem é alfabetizado ou analfabeto que avança em relação ao critério de apenas saber escrever o nome: definir como analfabeto aquele que não sabe ler e escrever um bilhete simples indica já uma preocupação com os usos sociais da escrita, aproxima-se, pois, do conceito de letramento, e revela uma outra expectativa com relação ao alfabetizado - uma expectativa de que seja também letrado.
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A mudança de critério para avaliação dos índices de analfabetismo no Brasil revela mudanças históricas, sociais, culturais. A comparação dos critérios utilizados aqui com os utilizados em países do Primeiro Mundo pode ser esclarecedora.
Analfabetismo no Primeiro Mundo?
É surpreendente quando os jornais noticiam a preocupação com altos níveis de "analfabetismo" em países como os Estados Unidos, a França, a Inglaterra; surpreendente porque: como podem ter altos níveis de analfabetismo países em que a escolaridade básica é realmente obrigatória e, portanto, praticamente toda a população conclui o ensino fundamental (que, nos países citados, tem duração maior que a do nosso ensino fundamental - 10 anos nos Estados Unidos e na França, 11 anos na Inglaterra). É que, quando a nossa mídia traduz para o português a preocupação desses países, traduz illiteracy (inglês) e illetrisme (francês) por analfabetismo. Na verdade, não existe analfabetismo nesses países, isto é, o número de pessoas que não sabem ler ou escrever aproxima-se de zero; a preocupação, pois, não é com os níveis de analfabetismo, mas com os níveis de letramento, com a dificuldade que adultos e jovens revelam para fazer uso adequado da leitura e da escrita: sabem ler e escrever, mas enfrentam dificuldades para escrever um ofício, preencher um formulário, registrar a candidatura a um emprego - os níveis de letramento é que são baixos.
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No Brasil, há já algumas poucas pesquisas que procuram avaliar o nível de letramento de jovens e adultos; a tendência tem sido considerar como alfabetizado (o termo mais adequado seria letrado) o indivíduo que tenha pelo menos completado a 4ª série do ensino fundamental, com base no pressuposto de que são necessários no mínimo quatro anos de escolaridade para a apropriação da leitura e da escrita e de seus usos sociais. Quando se calcula o analfabetismo no Brasil com base nesse critério, o índice cresce assustadoramente...
Condições para o letramento
Termos despertado para o fenômeno do letramento - estarmos incorporando essa palavra ao nosso vocabulário educacional - significa que já compreendemos que nosso problema não é apenas ensinar a ler e a escrever, mas é, também, e sobretudo, levar os indivíduos - crianças e adultos - a fazer uso da leitura e da escrita, envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita.
No entanto, infere-se, de tudo que foi dito, que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas. É preciso que haja, pois, condições para o letramento.
Uma primeira condição é que haja escolarização real e efetiva da população - só nos demos conta da necessidade de letramento quando o acesso à escolaridade se ampliou e tivemos mais pessoas sabendo ler e escrever, passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente aprender a ler e a escrever.
Uma segunda condição é que haja disponibilidade de material de leitura. O que ocorre nos países do Terceiro Mundo é que se alfabetizam crianças e adultos, mas não lhes são dadas as condições para ler e escrever: não há material impresso posto à disposição, não há livrarias, o preço dos livros e até dos jornais e revistas é inacessível, há um número muito pequeno de bibliotecas. Como é possível tornar-se letrado em tais condições( Isso explica o fracasso das campanhas de alfabetização em nosso país: contentam-se em ensinar a ler e escrever; deveriam, em seguida, criar condições para que os alfabetizados passassem a ficar imersos em um ambiente de letramento, para que pudessem entrar no mundo letrado, ou seja, num mundo em que as pessoas têm acesso à leitura e à escrita, têm acesso aos livros, revistas e jornais, têm acesso às livrarias e bibliotecas, vivem em tais condições sociais que a leitura e a escrita têm uma função para elas e tornam-se uma necessidade e uma forma de lazer.
Outro exemplo
Letramento e escola, letramento e educação de jovens e adultos
Quais as conseqüências de tudo isso para a escola? Para a educação de jovens e adultos?
O que significa alfabetizar?
O que significa "letrar"?
Quais as diferenças entre alfabetizar e "letrar"?
Como alfabetizar "letrando"?
Quando se pode dizer que uma criança ou um adulto estão alfabetizados? Quando se pode dizer que estão letrados?
Quais são as condições para que o aprender a ler e a escrever seja algo que realmente tenha sentido, uso e função para as pessoas(
É sempre bom terminar com perguntas e não com soluções; diz o grande escritor português Saramago:
Tudo no mundo está dando respostas,
o que demora é o tempo das perguntas.
Aí estão as perguntas; busquemos as respostas.
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Este texto foi originalmente publicado no livro Letramento, um tema em três gêneros. Belo Horizonte, Editora Autêntica, 1998
Estudo comprova que criança que lê mais escreve melhor
Folha Online - 11/01/2010 - Está comprovado que as crianças que lêem e escrevem mais são melhores na leitura e na escrita. E escrevendo posts de blogs, atualizações de status, mensagens de texto, mensagens instantâneas, e todas as coisas semelhantes, motivam crianças a ler e escrever.
No mês passado, o "The Nacional Literancy Trust", Fundo Nacional de Alfabetização do Reino Unido, divulgou o resultado de uma pesquisa com 3 mil crianças. Eles observaram a correlação entre o engajamento das crianças com as mídias sociais e seu conhecimento da leitura e da escrita.
No resultado eles perceberam que as mídias sociais têm ajudado as crianças a se tornarem mais literatas. Além disso, a Eurostat, organização estatística da Comissão Europeia, recentemente publicou uma matéria mostrando a correlação entre educação e atividade online, que indicou que a atividade online aumentou com o nível de atividade formal (os fatores sócio-economicos estão, é claro, influenciando potencialmente).
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